domingo, 7 de junho de 2009

LEITURAS ESCRITAS

PASSAROLA

Este sítio é lindo, mas onde estou não sei. O que sei é que para aqui chegar foi uma Aventura. Para vos contar essa aventura, terei de vos contar quem sou e a minha vida.
Nasci do sonho de um homem chamado Bartolomeu Lourenço de Gusmão, o meu pai. Dois anos antes do meu nascimento, nasceram os meus três irmãos, que eram balões. O primeiro ardeu logo, o segundo subiu ao tecto duma sala no paço e o terceiro saiu por uma janela da casa da Índia e nunca mais tornou a ser visto. A partir daí, o meu pai foi apelidado de Voador.
Para que eu fosse criada, El-rei, que sempre acreditou no meu pai, consentiu que ele utilizasse a quinta do Duque de Aveiro, em S. Sebastião da Pedreira. Com a ajuda dos meus padrinhos, Baltazar Sete-Sóis e Blimunda Sete-Luas, deu-se início à minha criação. E assim começara a criação de uma ave gigantesca, de asas abertas, cauda em leque, pescoço comprido e cabeça de gaivota.
Tomás Pinto de Brandão apelidou-me de “coisa do vento”, mas o meu nome é Passarola.
O meu padrinho, através de um desenho que meu pai lhe mostrou, conseguiu ver a minha constituição. Observou que eu sou constituída por barrotes, arame, panos de vela, lamelas de ferro e feixe de vime. Tenho velas que servem para cortar o vento; leme para me poderem dirigir; o meu corpo tem a forma de concha marítima à proa e à popa, onde tenho também tubos de fole, caso o vento falte; tenho asas pois sem elas não me conseguiria equilibrar nem voar; foram colocadas bolas de âmbar no meu tecto de arame, pois o âmbar responde muito bem ao calor dos raios solares; tenho para recolher ou largar as minhas velas roldanas e para não nos perdermos tenho uma bússola.
Mas vou contar-vos um segredo! Inicialmente, o meu pai pensava que para eu conseguir voar necessitaria de Éter. No entanto, após ter feito vários estudos na Holanda, chegou à conclusão que o que me iria ajudar a voar seriam, as Vontades dos vivos. Para a recolha dessas Vontades, o meu pai pediu ajuda à minha madrinha, pois ela tem o Dom de, em jejum, conseguir ver as pessoas por dentro, conseguindo assim recolher as 2000 Vontades que seriam necessárias para colocar dentro das minhas esferas, no momento certo. A minha madrinha aproveitou-se do facto de Lisboa ter sido invadida por uma grande epidemia, para fazer a recolha dessas Vontades, apesar de também ter recolhido algumas, anteriormente, em Mafra, antes de vir para Lisboa.
Enquanto os meus padrinhos se ocupavam com a minha criação, o meu amigo, o Sr. Scarlatti, tocava músicas para mim no seu cravo, que ele teria levado para a abegoaria com o intuito de poderem, tanto ele como o seu cravo, participar no meu primeiro voo. Coisa que mais tarde não se verificou.
Antes do meu primeiro voo, fui desmontada e voltaram a montar-me. Mas, o meu primeiro voo teve de ser antecipado. Tivemos de fugir, porque o Santo Ofício queria prender o meu pai. Retiraram-se as telhas da abegoaria, cortaram-me as ripas e os barrotes, colocaram-me as bolas de âmbar e transferiram para as minhas esferas as 2000 Vontades. Eram nesta altura quatro horas da tarde e estávamos prontos para o meu primeiro voo.
Nesse primeiro voo, acabámos por cair em Montejunto, mas durante a viagem, sobrevoámos a Vila de Mafra, as obras do convento, onde fomos avistados por milhares de pessoas que julgaram tratar-se do espírito santo e estivemos prestes a cair no mar.
Após a nossa queda em Montejunto e após anoitecer, acabámos por adormecer. Ao amanhecer, o meu pai tinha desaparecido e nunca mais o vi ou ouvi falar dele, ficando assim os meus padrinhos encarregados de mim. Antes do nascer do sol, para que não corrêssemos o risco de eu poder voar sozinha ou de alguém me avistar, cobriram-me.
Depois desse dia, o meu padrinho voltou várias vezes a Montejunto para me visitar e reparar. Mas numa das visitas do meu padrinho, o ar estava quente e o sol brilhava com força, quando lhe ocorreu uma ideia: voltar a desmontar-me peça por peça, levar-me para Mafra e esconder-me. A ideia era boa, mas não teve tempo, pois estava tão distraído que, de repente, duas das minhas tábuas cederam, visto ele não ter reparado onde colocou os pés. O gancho dele enfiou-se numa das minhas roldanas, as minhas velas arredaram-se, o sol bateu nas esferas e nas bolas de âmbar, rodopiei duas vezes e voámos.
Foi assim, então, que a 21 de Outubro de 1730, eu e o meu padrinho voámos pela segunda vez. E aqui vim parar.
No dia seguinte, o meu padrinho partiu, com o intuito, acho eu, de procurar a minha madrinha, mas nunca mais voltou.

E esta é a minha história, a história da Passarola.

Susana Silva 12ºACI nº17




Blimunda Sete-Luas e a sua vida

Chamo-me Blimunda de Jesus, a mulher misteriosa de olhos fascinantes, com poder extraordinário de ver interior dos corpos e da terra. Sou alto e delgado, de cabelo cor de mel, sou decidida, intuitiva, forte, inteligente, fiel e inabalável no amor.
Sou filha de Sebastiana Maria de Jesus, vidente condenada pelo Santo Ofício ao desterro, por prática de feitiçaria. Conheci o Baltasar quando tinha 19 anos, no auto-de-fé que decorreu no Rossio em 1711, quando assistia à partida da minha mãe para o degredo. Sou uma personagem que releva do domínio do maravilhoso, pelo dom que tenho de ver o “interior” das pessoas (dom que nunca exerci em relação a Baltasar, porque jurei que nunca o olharia por dentro).
A nossa união amorosa fez-se num ritual de consagração da união sexual realizado por mim, ao inscrever uma cruz feita do meu sangue sobre o coração dele. O padre Bartolomeu Lourenço baptizou-me por Sete-Luas, porque eu via às escuras. Simbolicamente, o meu nome acaba por funcionar como uma espécie de reverso do de Baltasar. Para além da presença do sete, Sol e Lua completam-se, são a luz e a sombra que compõem o dia. A nossa relação também é subversiva, não só porque não existe casamento oficial, mas também porque temos o mesmo estatuto, não havendo submissão da mulher ao homem, facto impensável em pleno século XVIII.
Na construção da passarola, o padre Bartolomeu Lourenço encarregou-me da missão de recolher duas mil vontades necessárias para que a passarola voasse. Consegui recolher em Lisboa as duas vontades, graças à peste negra. Depois de cumprir a minha missão fiquei doente e fui curada por Scarlatti, através da sua música.
Um dia decidimos finalmente partir, esta decisão foi tomada porque o padre Bartolomeu Lourenço estava a ser perseguido pela Inquisição, a fuga urgente e a passarola era o meio mais eficaz de escapar. Voámos sobre Lisboa, depois sobre Mafra e a máquina acabou por cair na serra. Passados dois dias, depois de guardar cuidadosamente a passarola num esconderijo em Monte Junto, eu e o Baltasar chegámos a Mafra onde o povo em procissão, dava graças a Espírito Santo que tinha voado sobre o telhado.
Na véspera da Sagração da Basílica, Baltasar partiu para Monte Junto e não regressou. Fiquei preocupada, fiz a viagem até Monte Junto e, ao chegar ao esconderijo da passarola, observei que esta e Baltasar tinham desaparecido. Procurei Baltasar durante nove anos. Acabei por encontrá-lo na hora da sua morte, ardendo numa das fogueiras do auto-de-fé do Rossio (1739). Como não tinha comido nada nesse dia, recolhi a vontade dele que pertencia ao mundo e a mim.
Foi assim, fim de um grande amor.

Soulita Mendes 12ºACI

Sem comentários: